27 de maio de 2014

YOGA EM VOGA ENTREVISTA – TALES NUNES




HUMBERTO MENEGHIN


YV – Quem tem a oportunidade de ler a dissertação de sua autoria “Do corpo, a plenitude. Do corpo à plenitude: o significado da experiência corporal em praticantes de Yoga” nota que a ideia que você tinha do Yoga se resumia em sentar em posição de meditação e ficar, imóvel, e de preferência tentando não pensar em nada por muito tempo. Como o Tales de hoje modificou este conceito?  Quem foram as pessoas que lhe deram suporte necessário para que essa ideia inicial sobre o Yoga deixasse de ser a mesma? E, de que forma alguém pode tomar conhecimento quanto a verdadeira essência do Yoga sem que isso gere confusão na cabeça achando que Yoga é Religião?


TALES – Esse conceito foi modificado em mim à medida que fui conhecendo melhor o Yoga e aprofundando a prática, mas principalmente os estudos. Meu primeiro professor,em Aracaju, me apresentou muitas práticas e me indicou um bom caminho de estudos. Mas foi mesmo quando vim para Florianópolis que entrei em contato com o Pedro e com a professora Gloria e o estudo de Vedanta que o Yoga me mostrou toda a sua amplitude. E o Yoga mostra a sua própria amplitude a partir da ampliação de nossos próprios horizontes. Não é separado, porque tudo o que o Yoga fala é sobre nós mesmos. O que recomendo às pessoas é que busquem fontes de estudos. Tudo o que o Yoga tem para nos dizer está em seus textos clássicos, Upanishads, Bhagavad Gita, Yoga Sutra. É um profundo conhecimento do ser humano.



YV – Foi em 97 que você participou de sua primeira aula – prática de Yoga na companhia de quinze senhoras idosas para numa outra oportunidade começar a praticar com pessoas da sua idade. Muito embora você tenha gostado de ambas as aulas, você escolheu participar da prática que exigia mais do físico, ou seja, Power Yoga, ministrada ao grupo das pessoas mais jovens, o que lhe dava mais flexibilidade e calma visto que você também praticava Jiu-jitsu e participava de competições. Diante destes fatos, será que nos dias atuais o Hatha Yoga perdeu espaço para outros estilos de Yoga ou a tradição e a prática continuam as mesmas desde os tempos remotos? Um novo jeito de executar um ásana para melhor acomodar o praticante com ajuda de acessórios ou não é válido ou foge à regra do que é tradicional?


TALES – Precisamos entender que o que praticamos hoje como Hatha Yoga faz parte do que Georg Feuerstein chamou de Yoga Moderno. Há muitas coisas nos textos clássicos de Hatha Yoga que não fazemos, por não fazerem mais parte do contexto dos tempos atuais. E há muitas coisas que são negligenciadas em detrimento das posturas, dos ásanas. Atualmente há uma supervalorização dos ásanas. Isso faz parte de um processo histórico e de exigências próprias da sociedade moderna.  Os ásanas são importante, mas são um aspecto apenas de uma prática muito mais ampla do Hatha Yoga, que inclui Shatkarmas (purificações), Pranayamas (exercícios de respiração com o intuito de movimentar e direcionar o prana), Mudras (ações e gestos com o corpo com o propósito igualmente de direcionar a energia para determinadas partes do corpo), meditação etc. A própria visão do Hatha Yoga, em sua origem era muito mais ampla. Os Hatha yogis da antiguidade tinham conhecimento da medicina tradicional, do uso de ervas, da leitura do corpo e do temperamento de cada pessoa. Por isso tinham a capacidade de indicar as práticas específicas para cada pessoa, de acordo com a necessidade.










YV – Vida de Yoga é o nome de seu website, onde você apresenta artigos no que concerne ao autoconhecimento contando ainda com muitas frases inspiradoras de sua autoria que transmitem uma mensagem para os leitores. Quais são as características principais de alguém que se propõe a ter e viver uma Vida de Yoga? Como alguém pode se entregar a uma Vida de Yoga sem ter a vontade de desistir desse compromisso no meio do caminho? Para se manter e viver a Vida de Yoga é fácil ou há obstáculos que de hora em vez surgem para testar e fortalecer aquele que se propõe? Viver uma Vida Meditativa implica em já estar vivendo uma Vida de Yoga? Atingir o Samadhi é o que mais vale ou para o yogi isso não é tão importante assim?


TALES – Acredito que sinceridade consigo mesmo é a principal meta em todo o caminho. É isso que mantém o coração aberto para aprender com cada situação e mais tranquilo para lidar com as dificuldades. No início de fato o autoconhecimento é um compromisso, depois é algo que se torna imprescindível, pois é o que dá vida à Vida. Não há fórmula para que não surjam pensamentos de desistência. O motivo pode ser social, familiar ou pessoal. Muitas vezes o que pode fazer desistir é a sensação de impotência frente às mudanças no mundo, o que logo é redimido como resgate da compreensão de Karma Yoga, que resumidamente é, que cada um deve fazer a sua parte dentro do Todo e que somos responsáveis por nossas ações e pelo resultado delas. Uma vida meditativa é a meta de uma vida de Yoga. Não necessariamente o Samadhi como geralmente é entendido. Não se atinge o Samadhi, a ideia de atingir o Samadhi está ligado à fantasia do alcance de um estado alterado de consciência permanente, que arrebata o indivíduo e o transforma definitivamente, colocando-o num estado de constante de paz e elevação. Essa é a mesma ideia da existência de um paraíso que se deve alcançar, uma fantasia. O Samadhi é algo que se dá na compreensão de si mesmo, do mundo e de si mesmo como integrado ao mundo e se reflete nas ações e na vida do indivíduo. É a compreensão da unidade para além da dualidade da vida. Samadhi não é algo que se acende, é algo que se reconhece como aceso desde sempre em si mesmo.













YV – Como escritor você publicou dois livros até o momento presente: “Yoga e o Ser” foi o primeiro e o mais recente “Brilho Súbito”. Para as pessoas que ainda não tiveram acesso aos seus livros, quais são peculiaridades que cada um deles trata? O Yoga e o Vedanta o inspiraram e contribuíram no processo de criação dos temas que tratam esses livros? Você está escrevendo um novo livro?


TALES – O primeiro livro, O Yoga e o Ser, é uma compilação de diversos artigos e reflexões. Desde que comecei a praticar Yoga eu tenho um diário de prática, no qual coloco os pensamentos e inspirações que surgem dia a dia. O primeiro livro é uma compilação desses pensamentos e artigos baseados neles. O segundo, Brilho Súbito, é um livro de frases e poesias. Mas há um pensamento bem estruturado na organização do livro. Numa primeira leitura pode passar despercebida ao leitor a visão de todo do livro e ele se prender na individualidade de cada reflexão. Mas estou trabalhando no terceiro livro teórico que é a explicitação dessa estrutura de pensamento que está como inspiração implícita no Brilho Súbito. Tudo o que escrevo tem influência do Yoga e de Vedanta, é uma extensão de minha prática, até mesmo a minha dissertação teve essa influência.




YV – Vedanta é muito importante para aqueles que estão imersos no Yoga com seriedade e compromisso e alguns até se tornam Hindus, cultuando as Deidades do Hinduísmo. No entanto, muitos mantem a religião seja Católica ou uma outra e adotam o Vedanta como uma filosofia, muito embora não seja. Você acha que a partir do momento que o conhecimento começa a florescer no estudante a tendência é de ele abandonar a religião que adota e se tornar Hindu ou apenas simpatizar-se e aprender com as passagens de Arjuna e Krishna, na Bhagavad Gita?


TALES – Não é necessário se tornar Hindu, será uma opção. O que é inevitável a partir do momento que o conhecimento começa a florescer no estudante é sentir uma profunda admiração e gratidão pelo ensinamento, por sua fonte e por quem os traz até nós. Aderir aos rituais e se inserir neles é uma opção. A consequência do ensinamento não é se tornar hindu, mas se tornar humano, reconhecendo tudo o que nos aproxima, independente da religião.




YV – Sabemos que você além Viver uma Vida de Yoga, ministra cursos, workshops e ainda um curso específico para formar professores de Yoga. Ensinar Vedanta, a Gita, algumas das escrituras, realmente não é uma tarefa fácil. Como você conseguiu formular um programa viável, coerente e didático no sentido de transmitir o conhecimento sem gerar muita confusão na mente dos estudantes? E como se desenvolve o curso de Formação de Professores de Yoga que você ministra? Será que a maioria que se forma professor ou professora de Yoga irá ministrar aulas práticas ou muitos o fazem para apenas aprofundarem a prática pessoal?


TALES – O curso pode ser dividido em dois caminhos. Um é preparar didaticamente o professor para ministrar aulas, dando embasamento prático e buscando as técnicas do Hatha Yoga presentes desde os textos clássicos, Hatha Yoga Pradipika, Gheranda Samhita e Shiva Samhita.  O outro caminho é mostrar que Hatha Yoga é muito mais do que ásanas e que o Yoga é muito mais do que Hatha Yoga. Para essa “ampliação”, recorro a todo ensinamento que aprendo com a Professora Gloria Arieira, fazendo uma introdução às escrituras. Estudamos a Gita e o Yoga Sutra como textos principais, aprofundando nos temas mais importantes como os “corpos do ser humano”, “o que é Karma Yoga”, “o que é Ishvara”. A partir disso cada um poderá decidir aprofundar mais nos textos direcionando seus estudos. Muitas pessoas fazem o curso para o autoconhecimento e para aprofundarem sua prática pessoal.










YV – A Terra é um planeta que está em constante transformação e por isso o Verde está cada vez mais ameaçado e muitos que estão no poder não se importam em preservar o que deve ser preservado e na medida do possível causar o mínimo de dano ao meio ambiente. Diante disso, de que forma aqueles que estão imersos no Yoga e Vedanta podem contribuir para pelo menos atenuar os efeitos danosos que insistem em tomar conta da sua cidade, país e do planeta?


TALES – O Yoga é de fato um conhecimento que tem o potencial de mudar a maneira como vemos o mundo. E isso não é pouco, é um primeiro passo para que possamos mudar as nossas ações. O Yoga nos mostra que somos responsáveis por nossas ações e pelo resultado delas. O que está acontecendo no mundo é simplesmente a externalização de uma visão de mundo fragmentada e fragmentária e de emoções deturpadas como a ganância, a avidez por poder e a inveja. Todas essas emoções em forma de ação tem um efeito sobre o mundo. É isso que devemos mudar. E para que isso mude é preciso ações diferentes no dia a dia. Desde a escolha dos alimentos, a forma como nos deslocamos na cidade, a forma como tratamos os outros na rua à educação que damos aos nossos filhos. É um processo de construção, que pode ser árduo em alguns momentos, mas inspirador e motivador na maior parte dele.








YV – Você e a sua esposa e alguns colaboradores se dedicam em editar e publicar os Cadernos de Yoga, com quatro publicações anuais correlacionadas às estações do ano. Em tempos de tablets, os Cadernos de Yoga poderão contar com a opção digital ou o público fiel aprecia mesmo a publicação em papel? O que inspira e move vocês a seguirem em frente como essa publicação indispensável a quem almeja absorver conhecimento de fontes idôneas?


TALES – Este ano os cadernos de Yoga completam 10 anos de vida. Isso não é pouco. No momento eu e a Chris trabalhamos em todo o processo de composição dos Cadernos. Algo que não faríamos, certamente, sem a colaboração dos autores, que sabem da importância da publicação no cenário nacional do Yoga e vestem a camisa, mas o trabalho diário de manutenção é nosso. É um trabalho incrivelmente realizador e ao mesmo tempo desafiador. No início da transição da administração do Rodrigo Gomes Ferreira para a nossa, que aconteceu em 2008, colocamos dinheiro dos meus próprios cursos para manter os Cadernos. Nessa época nós pensamos em desistir. Mas aí coisas incríveis acontecem. Num curso em Florianópolis o David Frawley falou para todo o público, com uma edição dos Cadernos de Yoga na mão, que esta era a melhor publicação de Yoga do mundo, que não havia se deturpado, e desejou vida longa ao projeto. Num outro momento que faltou dinheiro mesmo, recebemos, do nada, uma doação de uma leitora do Rio de Janeiro, foi o que faltava para pagar a gráfica. E em diversas horas as palavras de incentivo da professora Gloria Arieira foram um sopro de inspiração e de força para continuar. Hoje essa dificuldade passou e estamos mais estabelecidos, mas sempre há desafios. A nossa preocupação sempre foi de manter o propósito inicial da edição, manter a qualidade da linha editorial acima de tudo. Levar o conhecimento do Yoga com respeito, cuidado à tradição, com toda a honra e gratidão que temos a ela. Somos de fato independentes e isso não é fácil em nenhum mercado editorial do mundo, no Brasil não seria diferente. Já negamos anúncios de empresas que não respeitam o Yoga ou seus valores; negamos insistentes pedidos de colocar matérias pagas; não apelamos para modismos que vendem; em nossas capas não prometemos transformações instantâneas. Práticas que são muito comuns no mercado editorial. O que nos inspira é divulgar o conhecimento do Yoga, com o reconhecimento do quanto ele é amplo e pode trazer mudanças significativas na vida das pessoas em seu íntimo, em termos de autoaceitação, força de vida e compreensão do Todo. Acreditamos que ajudando as pessoas a mudarem as suas vidas, estamos colaborando com uma transformação mais ampla no mundo. Isso é o que nos inspira.









YV – Consoante os ensinamentos que você adquiriu e vem adquirindo no decorrer da jornada qual ou quais versos da Baghavad Gita ou um trecho de uma das escrituras, na sua opinião, trazem uma mensagem indispensável  ao buscador?


TALES – “Não há, aqui neste mundo, meio de purificação comparável ao conhecimento”. (Bhagavad Gita - IV, 38)



YV – Eleições e Copa do Mundo acontecem neste ano de 2014, o que está previsto na sua agenda de cursos para que os estudantes possam programar-se e participarem?


TALES – Já estão abertas as inscrições para a Formação em Florianópolis para início em agosto deste ano.

14 de Junho estarei em Blumenau, 15 a 17 de agosto em Cuiabá.

13 e 14 de setembro estarei em São Paulo, no Nilakantha, falando sobre os Chakras. Bem como dias 01 e 02 de dezembro em Campo Grande.

Além disso, está acontecendo o curso extensivo de chakras aqui em Floripa que ano que vem já está sendo estruturado em São Paulo.




TALES NUNES é professor de Yoga, tem mestrado em Antropologia Social na UFSC, com dissertação escrita sobre a representação do corpo no Yoga. Atualmente ministra workshops pelo Brasil e formação para professores de Yoga em Florianópolis e Campo Grande. É editor dos Cadernos de Yoga. E pública seus textos no site www.vidadeyoga.com.br






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